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Informais, ganhando menos e sem segurança: pesquisa do IBGE mostra a realidade dos trabalhadores de aplicativo no Brasil

Motorista de Uber Foto Ravena RosaAgência Brasil
Entre 2022 e 2024, o número de brasileiros que dependem de plataformas digitais cresceu 25,4%, alcançando 1,7 milhão de pessoas, o equivalente a quase 2% da força de trabalho no setor privado. Foto Ravena Rosa/Agência Brasil

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Eles estão espalhados pelas ruas das grandes cidades brasileiras: de moto, de carro ou de bicicleta, conectados a aplicativos que prometem liberdade e renda extra, mas entregam jornadas longas, ganhos incertos e nenhuma segurança. Essa é a realidade dos trabalhadores por aplicativo no país.

Dados da PNAD Contínua, divulgados nesta sexta-feira (17) pelo IBGE confirmam o que a rotina já revela: por trás da ideia de “empreendedorismo digital”, há um contingente crescente de pessoas trabalhando mais, ganhando menos e desprotegidas de qualquer amparo social.

Trabalho em alta, direitos em queda

Entre 2022 e 2024, o número de brasileiros que dependem de plataformas digitais cresceu 25,4%, alcançando 1,7 milhão de pessoas, o equivalente a quase 2% da força de trabalho no setor privado. A expansão é liderada por motoristas e entregadores, que juntos representam mais de 80% do total. Só os aplicativos de transporte concentram 964 mil trabalhadores, enquanto 485 mil atuam em serviços de entrega de comida e produtos.

Para o analista do IBGE Gustavo Geaquinto, o avanço expressivo mostra como “as plataformas digitais vêm diversificando o tipo de ocupação e ampliando a dependência de trabalhadores que, em geral, enfrentam um grau de vulnerabilidade elevado”.

A promessa de liberdade que virou exaustão

As empresas de aplicativo costumam se apresentar como aliadas da autonomia: o motorista escolhe quando dirigir; o entregador decide quando ligar o app. Mas os dados mostram outra realidade. Segundo o IBGE, 91% dos motoristas afirmaram que o valor das corridas é definido pelas plataformas, e mais da metade (55%) relatou ter sua jornada influenciada por bônus, metas ou ameaças de bloqueio.

“O discurso de flexibilidade não se sustenta diante dos números”, diz Geaquinto. “As plataformas detêm um importante controle sobre a organização do trabalho e sobre a remuneração dos trabalhadores.” Na prática, o resultado é um modelo de ocupação em que o trabalhador assume todos os riscos e uma série de custos, sem garantias trabalhistas, sem férias, sem 13º e sem seguro.

Ganham mais por mês, mas menos por hora

Em 2024, o rendimento médio mensal dos plataformizados foi de R$ 2.996, ligeiramente superior ao dos demais trabalhadores (R$ 2.875). Mas o dado esconde um detalhe essencial: eles trabalham mais (44,8 horas semanais, contra 39,3 horas dos empregados formais) e, por isso, ganham menos por hora (R$ 15,4, valor 8,3% inferior ao dos não plataformizados).

Em outras palavras, o aparente “ganho maior” vem do excesso de horas trabalhadas e da ausência de limites legais para jornada e descanso.

Sem proteção: 7 em cada 10 estão na informalidade

A precarização aparece também na falta de direitos. Entre os trabalhadores de aplicativo, 71% estão na informalidade, e apenas 35,9% contribuem para a Previdência Social, quase metade do registrado entre os empregados com carteira assinada (61,9%).

Isso significa que a maioria desses profissionais não tem direito a auxílio-doença, aposentadoria, licença-maternidade nem qualquer amparo em caso de acidentes, que, no caso de entregadores e motoristas, são frequentes e muitas vezes incapacitantes. Some-se a isso,o fato de trabalharem com veículo próprio, que não recebe cobertura das plataformas. Novamente, em caso de acidente durante a jornada de trabalho, o custo fica todo com o profissional.

Segundo o IBGE, “os condutores de automóveis plataformizados alcançam maiores rendimentos médios do trabalho, mas registram jornadas mais extensas, com elevado grau de informalidade e um percentual de cobertura previdenciária significativamente inferior”.

O retrato da precarização moderna

A pesquisa mostra que 83,9% dos trabalhadores de aplicativo são homens, em sua maioria entre 25 e 39 anos, com ensino médio completo.

Entre os motoristas, apenas um em cada quatro contribui para o INSS; entre os motociclistas, só dois em cada dez. Ambos os grupos registram índices de informalidade acima de 80%. “O crescimento desse tipo de trabalho reflete um novo padrão de ocupação no país, mas também uma fragilização dos vínculos e da proteção social”, resume Geaquinto.

No fim das contas, por trás da promessa de independência e ganhos maiores, o que se consolida é um modelo de trabalho em que milhões de brasileiros vivem à mercê dos algoritmos: sem segurança, sem direitos e sem escolha real.

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