O governo federal deu início a uma estratégia conjunta para enfrentar o avanço do vício em jogos e apostas eletrônicas, especialmente as bets, que têm deixado um rastro de prejuízos financeiros, psicológicos e sociais. As medidas integram um acordo de cooperação técnica assinado pelos ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e da Fazenda, Fernando Haddad, com foco na prevenção, no cuidado e na proteção de usuários em situação de risco.
O principal instrumento dessa fase é a plataforma nacional de autoexclusão, que entrará em operação no dia 10 de dezembro. Por meio dela, qualquer pessoa que queira interromper o ciclo de apostas poderá solicitar o bloqueio imediato de seu CPF. A partir do pedido, o usuário ficará impedido de acessar sites de apostas, criar novos cadastros ou receber publicidade direcionada das bets.
Segundo dados apresentados pelo governo, as perdas econômicas e sociais causadas pelas apostas já chegam a R$ 38,8 bilhões por ano no país.
Rede de apoio e monitoramento
O acordo entre as pastas também institui o Observatório Brasil Saúde e Apostas Eletrônicas, um canal permanente de intercâmbio de dados entre Saúde e Fazenda. A ferramenta servirá para identificar padrões de compulsão e orientar intervenções de cuidado dentro do SUS.
“A partir dos dados que temos, vamos identificar padrões como os de adição ou compulsão das pessoas. Os registros nos ajudarão a ver onde a pessoa está, para que nossas equipes possam entrar em contato e servirem de ombro amigo ou braço de apoio dessas pessoas”, afirmou o ministro Alexandre Padilha.
Além da autoexclusão, o governo vai disponibilizar orientações de como buscar ajuda na rede pública, com informações sobre pontos de atendimento do SUS pelo aplicativo Meu SUS Digital e pela Ouvidoria do SUS.
Atendimento presencial e online
O Ministério da Saúde lançou ainda a Linha de Cuidado para Pessoas com Problemas Relacionados a Jogos de Apostas, que reúne diretrizes clínicas e amplia o acesso ao atendimento em saúde mental. A rede pública passará a oferecer, a partir de fevereiro de 2026, teleatendimentos específicos para casos de vício em jogos, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês.
Serão oferecidos inicialmente 450 atendimentos online por mês, número que poderá aumentar conforme a demanda. Segundo a pasta, o serviço funcionará como parte da rede integrada do SUS e, quando necessário, encaminhará os pacientes para atendimento presencial.
Regramento e proteção de grupos vulneráveis
Durante o evento, o ministro Fernando Haddad destacou que, embora as apostas eletrônicas tenham sido autorizadas em 2018, a regulamentação ficou paralisada até o fim de 2022. Segundo ele, era preciso estabelecer regras tributárias, normas de publicidade e parâmetros de jogo responsável. “Nada disso foi feito entre 2019 e 2022”, disse.
Haddad reforçou que, com as novas normas, nenhum CPF de crianças, beneficiários do BPC ou do Bolsa Família pode ser utilizado para cadastro em sites de apostas — medida considerada essencial para proteger grupos em situação de vulnerabilidade.
Perfil e avanço dos transtornos relacionados ao jogo
Os dados do SUS mostram que o número de atendimentos por transtornos ligados ao jogo vem crescendo. Foram 2.262 registros em 2023, 3.490 em 2024 e 1.951 apenas entre janeiro e junho de 2025.
Segundo o diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Marcelo Kimati, o perfil mais frequente entre as pessoas afetadas combina múltiplas vulnerabilidades. “Ele é homem; tem entre 18 e 35 anos; é negro; vive situações de estresse e ruptura de cotidiano; é separado, aposentado, desempregado; além de isolado ou com rede de apoio frágil”, afirmou.

